segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Homenagem a J.O.B.N.

Foi no dia 26 de Fevereiro de 1954, talvez num dia frio ou chuvoso que, numa pequena Freguesia do Alto Alentejo, nasceu a menina Julieta; era o sexto filho de um casal pobre. O pai ganhava para a família com as searas que plantava, a mãe, cuidava dos filhos, fazia a comida, lavava e engomava as roupas, remendava-as...

Deu os seus primeiros passos no solo alentejano, no meio de sobreiros e pinheiros.
Os seus briquedos seriam alguma boneca de trapos velha, as pinhas caídas dos pinheiros, algum caco velho, um ou outro animal...

Aos três anos, apercebeu-se de um aglomerado anormal de pessoas na sua casa, gritos e choros, não conseguia entender... Soube mais tarde que a mãe havia “partido”- caíra de uma figueira enquanto apanhava figos para dar aos animais e partira o pescoço. Do funeral ficou-lhe a recordação do gentio e de ir ao colo de alguém.

Foi então criada pelo pai e pelas irmãs mais velhas. Por ser muito pequena para fazer o caminho a pé, só a mandaram à escola com sete ou oito anos.
Os irmãos mais velhos foram abandonando a casa e valia-lhe a companhia de uma sobrinha que era quase da sua idade e com quem partilhava as brincadeiras.

Nas longas noites de inverno, ficavam ao “canto” (lareira) sem qualquer distracção, iluminados por um velho candeeiro a petróleo que, era desligado muito cedo para poupar.

O pai, pessoa que adorava fazer brincadeiras com outras pessoas, para ela era sempre sisudo, nem um sorriso, nem uma palavra, nem uma carícia na cabeça. Ela implorava-lhe que contasse uma história mas, a boca dele não se abria.
Algumas vezes, sabe-se lá porquê, cedia e começava “um pai teve três filhos, o mais velho nasceu adiante e o do meio era sapateiro, um pai teve três filhos e o do meio era sapateiro....”; palavras que repetia por intermináveis minutos. A Julieta tão depressa não lhe pedia para contar histórias.

Os anos foram passando e, na escola, era uma aluna brilhante. No inverno calçava botas de borracha e, no verão, se queria ir calçada, eram as mesmas botas que a esperavam. Preferia ir descalça.

Tinha uma escrita muito redonda, sem qualquer erro, traçada nos cadernos sempre imaculados, com os pequenos lápis que alguns colegas deitavam fora.

Passou sempre com grande distinção e tinha quase treze anos quando terminou a quarta classe. Era já uma “mulher”. Não continuou os estudos porque não havia dinheiro. Teve que começar a trabalhar para ganhar para a casa e para comprar o seu enxoval.

Com os seus dezassete anos e sem ter visto a cidade, conheceu um jovem oito anos mais velho que ela. Alto, bem parecido, porte atlético, bem falante, montado numa Yamaha, não lhe resistiu.

O namoro terá durado pouco; entre promessas de uma vida melhor e “confia em mim”, casaram no chuvoso dia um de Janeiro de 1972, estava grávida de três meses.
Montaram casa com as mobílias mais caras vendidas na vila e ali ficaram. Ela ficou a tratar da “lida” da casa e da sua gravidês; tinha um apetite sem fim.... engordou muitos quilos perdeu o seu ar de menina. O marido trabalhava pelo país e ia a casa de semana a semana.

No Verão nasceu o primeiro filho, pesava quase cinco quilos, e foi um orgulho para os pais. Começou a andar ao nove meses e logo a seguir começou a fugir de casa, percorrendo as suas da vila, fazendo-a andar de porta em porta a perguntar por ele. Era uma graça com os seus longos cabelos loiros mas não a deixava descansar um pouco.

Os anos passaram e nos finais de Fevereiro de 1975 estava no final da segunda gravidês. Num terrivel dia de chuva teve que ir com o marido e com o filho à sede de Concelho tratar de assuntos. Foram na camioneta da RN pois o seu estado não lhe permitia ir na moto do marido.

Com os assuntos tratados, à tardinha, estavam num café á espera da hora para apanharem a camioneta e regressarem a casa. O anjo endiabrado do filho, com os longos cabelos loiros, meteu-se com dois senhores de Lisboa. -Que graça de menina!; - Não é menina, é menino. Respondeu o pai.

Após troca de palavras, chegaram à conclusão que iam todos na mesma direcção- Lisboa. Os prestáveis senhores, dado o estado da Julieta, ofereceram-se para os levar.
Antes não o tivessem feito.....

Debaixo de uma chuva intensa, percorreram pouco mais de um quilómetro...
Um enorme camião não parou no cruzamento e o carro ficou literalmente debaixo daquele monstro. –Ninguém sobreviveu!!- Diziam as pessoas que chegavam ao local.

Enganavam-se, estavam os seis com vida. A Julieta foi para um hospital a cerca de trinta quilometros e lá teve o segundo filho; o marido, todo golpeado na cara, ficou no hospital local; os dois senhores seguiram em estado muito grave para Lisboa; “a menina” de cabelos loiros seguiu para o Hospital de Santa Maria.

Com as feridas físicas curadas, a família voltou a reunir-se tempos mais tarde.
Mudaram-se da vila para uma pequena quinta no campo, nos arredores da vila. Os dois filhos, alguns animais e a “horta” ocupavam a Julieta a tempo inteiro.

No início dos anos oitenta, a Julieta começou a sentir umas dores no peito e no braço esquerdo. Ficou arrasada!! Pensava que que tinha “uma coisa má” (cancro) e que não veria os seus filhos criados. Passou a chorar muito, mal comia.... um terror. Após algum tempo e exames recebeu a notícia que não tinha qualquer doença maligna mas, aquele susto deixou-lhe marcas muito profundas... Ganhou uma terrível depressão que lhe deixaria marcas terríveis.

Como não podia ficar em casa todo o dia a pensar e com os filhos já maiorzinhos, decidiu trabalhar. Conseguiu desmultipicar-se e fazer todas as tarefas que lhe eram exigidas. Trabalhava, cuidava dos filhos e da horta e esperava pelo marido à sexta feira para lhe lavar a roupa.

Aturou as crises da adolescência dos seus dois rebentos, cuidou deles, sempre sem lhes dizer uma palavra doce ou fazer qualquer carícia. Afinal ela também não as havia recebido....

Em 1993, o filho mais velho decidiu ir para Lisboa e durante mais de um mês ela nada soube dele. Sempre sem o demonstrar, foi uma coisa que muito a magoou. Porque não demonstrou ela que tinha saudades do filho, que o amava? Simplesmente não fora habituada a demosntrar esses sentimentos.

A sua vida foi continuando rotineiramente, sempre sem grandes motivos para rir, coisa que raramente fazia e jamais deu uma gargalhada.

Ficou em casa com o seu benjamim, que bastante trabalho de dava, até que, no final dos anos noventa, também ele saiu de casa. Passou a ir também aos fins de semana para lavar a roupa.

Que longas eram as noites naquela casa! Lá fora só se ouviam grilos, corujas e afins, assustador.....

Não se sabe quando mas, uma tosse começou a fazer-se ouvir pelas manhãs. Era “tosse nervosa”, diziam-lhe. Foi a vários médicos, fez exames, fez terapia da fala, etc...
Os anos foram passando e melhoras nada.

Já muito cansada, nos finais de 2001, decidiu ir a uma consulta com o Prof. Machado Caetano. Ao vê-la, encaminhou-a de imediato para o Hospital Pulido Valente. A coisa estava feia...

Foi internada e operada- tinha “líquido” nos pulmões! No meio das dores, lá ia sendo animada pelas colegas de quarto e por algumas visitas que recebia. Queria pôr-se boa para ir tratar da casa- o benjamim havia anunciado que ia casar em Março.

A família, tal como ela, completamente ignorantes nos assuntos da medicina, recebeu com grande admiração o veredito final dos exames: tinha um cancro no estomago, em estado muito avançado.

Que bomba!!!! Ela ia fazer quarenta e oito anos!!! Não podia ser verdade....... Era mesmo!

Depois de várias intervenções para “tirar líquido” e de passar por vários blocos, foi enviada para a “medicina três”- os doentes terminais, como diziam os médicos.

Ela não sonhava com o que se passava!! Confiava nos médicos e queria ir fazer os preparativos para o casamento do benjamim.

Por haver falta de camas, deram-lhe alta e mandaram-na para casa. Ficou em casa de um filho e ainda conseguiu ir passar a Páscoa à sua “casinha”. Regressou com a certeza que estava muito cansada e que não conseguia tratar da casa.

Não muitos dias se passaram e teve que voltar para o mesmo Hospital; não conseguia respirar.

Passados poucos dias já a queriam mandar de volta para casa e perante as súplicas da família para que não o fizessem- pois não tinham condições para estar 24 horas com ela e porque ela acreditava ainda que ia ficar boa, uma médica fez questão de lhe contar a verdade e apagar toda a luz dos seus olhos!

Era só já o que lhe restava – a esperança- e foi-lhe retirada violentamente por um animal sem coração.

Deram-lhe alta, fez umas sessões de quimioterapia mas o seu estado era irreversível.

Praticamente deixou de falar e deixou de olhar de frente qualquer coisa ou pessoa, tinha sempre os olhos no chão. Matava o tempo entre o sofá e a cama- não estava bem em lado nenhum.

No dia seis de Maio de 2002, almoçou com um filho e a nora, deitou-se na cama pois estava muito cansada e foi lá que eles se despediram dela antes de ir trabalhar, como de costume.

Cerca das 18H00 telefonou ao marido e dizer que estava com falta de ar. Minutos mais tarde, o filho chegava junto de si com os Bombeiros. Já era tarde. Tinha chegado a sua hora de descansar eternamente. (RIP)

Nunca teve férias, as vezes que foi a Lisboa foi para tratar de “assuntos”, não se banhou na água do mar e poucas vezes o viu. Antes da doença, a maior ausência que teve da sua casa foi quando foi a Fátima, “pagar uma promessa”. Não viu o casamento dos dois filhos nem conheceu os netos.

Foi uma pessoa que muito sofreu mas, nunca teve uma má resposta para dar a quem quer que fosse. Sempre foi adorada e estimada pelas colegas de trabalho.


Ao ler uns textos no blogue da BlueVelvet enchi-me de coragem para redigir estas linhas e tentar, desta forma, prestar uma homenagem à grande mulher que foi a Julieta O.B.N.
Apesar do meu enorme esforço, este texto não está à sua altura.

Que bem q se está aqui.....

Foi obra!!! (as pirâmides)